quarta-feira, 3 de novembro de 2010

48% dos caminhoneiros sergipanos usam anfetaminas para não dormir, indica estudo da UFS

Maior parte dos acidentes ocorridos com
veículos pesados envolve caminhoneiros
(Foto Ilustrativa)
Pesquisadores da Universidade Federal de Sergipe (UFS) chegaram a um dado alarmante quanto ao risco de acidentes fatais nas rodovias que cortam o Estado: 48% dos caminhoneiros sergipanos admitem utilizar psicotrópicos estimulantes por mais de três vezes por semana para inibir o sono e dirigir por mais tempo; 18% deles fazem uso dessas substâncias por cinco vezes ou mais a cada sete dias.

Diante desse cenário não é de espantar que a maioria dos acidentes com vítimas fatais que envolvem veículos pesados tenham como causa o famigerado ‘cochilou ao volante’. Isso, no entanto, é decorrente de uma conjuntura ainda maior em que não se pode apenas culpar apenas o motorista, posto que muitas vezes ele é refém de uma carga horária excessiva de trabalho, realizado em condições absolutamente insalubres em que, muitas vezes, o sono passa a ocupar o lugar do carona.

A preocupação que esses dados lançam, portanto, já começa com o tipo de substância mais utilizada pelos caminhoneiros, o famoso ‘rebite’. “Legalmente ninguém é autorizado a comprá-lo em lugar algum. Mas se você buscar em algum posto de combustíveis ao longo das rodovias, todos os motoristas têm para usar ou vender”, afirma o professor do Departamento de Medicina da UFS Ricardo Fakhouri, que coordenou o estudo desenvolvido pelo estudante de Medicina Maxbergson Menezes Alves.

‘Rebite’ na verdade é apenas um nome para as anfetaminas, droga sintética que estimula a atividade do sistema nervoso central, fazendo com que o cérebro trabalhe mais depressa deixando os usuários mais ‘acesos’, ‘elétricos’ e, no caso dos caminhoneiros, com menos sono. Portanto, o motorista que possui prazo determinado para entregar certo tipo de carga consegue, com o uso delas, dirigir por várias horas seguidas, sem descanso.

Prof. Ricardo Fakhouri diz que mudança
desse hábito demandaria transformações
radicais (Foto: Blog UFS Ciência)
Fakhouri informa que 114 caminhoneiros serviram de amostra no estudo. A pequisa, com um questionário de 39 perguntas, foi realizada em Itabaiana, cidade considerada como celeiro desses profissionais em Sergipe, no período de onze meses. A intenção era saber o que os motoristas entendiam como estimulantes e se eles sabiam das conseqüências imediatas e em longo prazo do uso dos psicotrópicos.

“Todos eles sabem que o efeito dessas substâncias dura entre 7 a 8 horas e que caso ele insista em tomar novamente, não vai adiantar mais. Eles sabem que chega uma hora em que o sono é irreversível, e a pessoa acaba dormindo acordada. Aí não vê uma curva, por exemplo, causando um acidente”, atesta o pesquisador.

Sono Cataléptico

O ‘dormir acordado’ ao qual o professor Fakhouri se refere é um estágio do sono chamado de Sono Cataléptico. Ele ocorre quando o estoque de neurotransmissores de que o nosso cérebro precisa para nos manter acordados acaba e aí o organismo, mesmo contrariando a vontade do sujeito, pede uma pausa, independente do que ele esteja fazendo na hora. “Ele chega instantaneamente. Você pode estar de olhos abertos, mas está dormindo”, explica.

Acontece que normalmente o cérebro não deixa os estoques de neurotransmissores acabarem, o que gera o sono normal - aquele que você deve aproveitar por oito horas em média para acordar no outro dia mais disposto do que antes. Os psicotrópicos – aí se incluem não só os ‘rebites’, mas o café forte, os refrigerantes de cola e os energéticos das baladas – bloqueiam esse processo, fazendo o organismo gastar aquelas substâncias por completo. Quando elas acabam, o organismo para obrigatoriamente – e quem toma os rebites também - até o cérebro repô-las.

Profissionais

Dentre os pesquisados, Ricardo Fakhouri menciona que o perfil de caminhoneiro mais suscetível a utilizar as anfetaminas são aqueles que trabalham com cargas perecíveis, que exigem certa urgência para chegar ao destino final. “O motorista acaba trabalhando em horas antifisiológicas, acordando mais cedo, rodando direto, às vezes em dupla, revezando o comando do veículo – que não pode parar – e, sem descanso, está mais propenso aos acidentes”, revela.

A mudança dessa situação, segundo ele, demandaria transformações radicais em questões econômicas, culturais e sociais. “O profissional precisa do emprego e, para isto, submete-se às condições nem sempre ideais de trabalho, recebe uma remuneração que não contempla todo o seu esforço etc. Esse desgaste torna os sinistros maiores e mais intensos”, entende Fakhouri.

Por Diógenes de Souza

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